Com o aumento no registro de casos da COVID-19, doença causada pelo coronavírus, uma preocupação de especialistas é com a saúde mental dos cidadãos, principalmente em razão da necessidade de distanciamento social. Para o professor e psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), o momento exige que todos reorganizem as rotinas.
“Um dos primeiros efeitos da quarentena é a desorientação atencional. A pessoa se sente mais confusa, menos concentrada, muito mais cansada. Ela pensa que vai trabalhar em casa e vai conseguir descansar, mas não é isso que acontece. Porque uma série de apaziguadores que nós temos no trabalho, como a pausa para o cafezinho ou a conversa com o colega, são suspensos”, aponta o psicanalista ao Jornal da USP.
“É uma crise geral, mas é muito importante a gente ter em mente que isso tudo vai passar. Pode demorar muito tempo, pode demorar mais tempo do que a gente gostaria, mas vai passar”, ressalta. O docente lembra que se trata de uma situação com várias fases e que está apenas começando. “Ter consciência disso é muito importante para fazer a travessia deste momento”, aponta.
Christian Dunker destaca os possíveis efeitos da quarentena em dois grupos de pessoas. O primeiro é de quem nunca foi ansioso, mas passa a ter ansiedade; nunca teve insônia, mas fica com dificuldade de dormir, apresenta reações muito agressivas ou irritadas; ou então começa a se sentir confuso ou desorientado.
Do outro lado, estão aquelas pessoas cujos efeitos da quarentena intensificarão as dificuldades e fragilidades que já estavam presentes antes. Por exemplo, para um paciente com uma orientação paranoide (um tipo de transtorno de personalidade), é possível que a quarentena incremente o sofrimento ou traga um efeito relativamente apaziguador. Outro exemplo são as pessoas com fobia social e que diariamente lutam para ir ao trabalho. Em casa, elas podem se ver em um ambiente mais protegido, mais favorável.
Relatos
Christian Dunker conta que vários de seus pacientes com algum tipo de depressão disseram a ele que agora as coisas estavam melhores, pois antes da quarentena era muito difícil sair da cama ou de casa e agora não precisavam mais se preocupar com isso, podiam passar o dia de pijama e demorar mais para sair da cama. O professor alerta que, no caso dessas pessoas, o que agora está sendo sentido como um relativo alívio, pode se tornar potencialmente mais grave com o passar do tempo.
Uma atitude preditiva para um mal percurso, de acordo com o psicanalista, são aqueles que negam a gravidade da epidemia. “Esse tipo de negação é muito ruim porque, no fundo, sabemos que é uma espécie de autoengano, às vezes, de autoengano coletivo. E tende a produzir uma espécie de ruptura, de violação, de sentimento de traição, de instabilidade psíquica derivada da ruptura das nossas referências simbólicas”, diz o professor.
O professor também chama a atenção para a forma como algumas pessoas lidam com o medo, emoção esperada diante da situação: com excessivo compartilhamento de informações. Ele destaca que os dados confiáveis são muito importantes, agem até como medidas protetivas. Mas há quem, em vez de se acalmar, se aquietar e se conter, age com muita compulsividade, seja na obtenção ou na disseminação de informações, sem uma reflexão ou contextualização.
Tarefas a cumprir
Quem está na quarentena tem algumas tarefas a cumprir, de acordo com o psicanalista. A primeira é a reorganização cotidiana e pensar em horários para fazer cada coisa. A segunda tarefa é cuidar da higiene e manter a salubridade corporal, pois os cidadãos entrarão em um período de baixa atividade física, o que os fragiliza.
O docente Christian Dunker também recomenda a prática da meditação e lembra que o Conselho Regional de Psicologia autorizou o tratamento psicológico online. Se os sintomas de ansiedade e depressão passarem da conta, o psicanalista sugere procurar ajuda de um profissional da área e pensar em um tratamento via internet.
Para o equilíbrio mental, o psicanalista sugere fazer pausas ao longo do dia e encontrar atividades que não sejam exatamente produtivas, mas sim restaurativas: pode ser uma leitura, a jardinagem, o cuidado com os animais, ou a arrumação de armários e da casa ou mudar os móveis de lugar.
“Acho a leitura uma boa prática para isso, diferente das telas [televisão, celular, computador], porque ela convoca uma reestruturação da atenção da pessoa. Você precisa entrar no livro e seguir o personagem”, destaca.
Outra coisa muito importante é a recuperação dos laços afetivos e sociais: aquele avô ou avó talvez precise de alguns empurrões para, finalmente, entrar no mundo digital, e conversar, por exemplo, via Skype (comunicador de voz e imagem via internet).
Christian Dunker lembra que há lugares nos quais o aplicativo fica ligado durante o dia, continuamente, e não apenas durante as ligações, assim podem ouvir e partilhar a rotina diária com pessoas que estão em outra residência. São usos diferentes para recursos com os quais a população já está acostumada.
Crianças e idosos
Sobre as crianças, elas demandam, segundo o professor, uma atenção especial, pois terão mais dificuldades em substituir os laços físicos pelos digitais. É um momento para acompanhar o filho mais de perto, contar histórias, participar das brincadeiras e interações perdidas ao longo do tempo.
“Para os pais que vivem dizendo ‘eu não tenho tempo pra isso’, agora chegou o momento de fazer esses ajustes. Também é necessário observá-las, se pararam de brincar, se se isolaram demais, se estão comendo e dormindo direito, porque a quarentena é uma situação muito adversa e elas são muito sensíveis para captar a preocupação dos adultos”, informa o psicanalista.
Os pais precisam falar a verdade sobre a quarentena porque, em geral, mentir nesse momento aumenta a problemática. A criança vai ter de lidar com pensamentos como “por que será que os meus pais estão me escondendo alguma coisa?”, além de todas as outras pressões que atingem a todos neste momento.
Os idosos também demandam muita atenção, pois geralmente mantêm uma relação muito específica com o cotidiano e são muito sensíveis às reformulações mais radicais Para Christian Dunker, é um momento para cultivar a solidariedade, o altruísmo e a humildade.