Mirassol vê pandemia agravar com UPA lotada e famílias desesperadas por UTIs

Hospital de Base sofre com superlotação e abertura de leitos não acompanha aumento de casos

UPA de Mirassol (Foto: Juliana Elias)

Assim como muitas cidades brasileiras, Mirassol vive recentemente seu pior momento desde o início da pandemia do novo coronavírus. Sem hospital para receber os pacientes que precisam de uma atenção especial por conta de agravamentos causados pela doença e com a superlotação de hospitais da região, especialmente do Hospital de Base de São José do Rio Preto, que é referência no atendimento a pacientes com covid-19, a população está dependendo exclusivamente do trabalho prestado por profissionais que atuam na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, que têm se desdobrado para não deixar ninguém sem atendimento.

O Posto Central (Postão) e a UPA são os pontos de referência para os moradores que apresentam problemas respiratórios e suspeita da doença. Enquanto o primeiro atende pacientes com quadros mais leves, a UPA tem recebido casos mais graves e está atuando acima da capacidade desde que estourou a primeira onda em nossa região no ano passado e se agravou com a segunda onda, que aconteceu em meados de abril deste ano.

De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura, atualmente há 21 pacientes em enfermaria e três pacientes intubados na UPA, fora os pacientes que ainda aguardam resultados. A capacidade original é de três pacientes na emergência, quatro na observação adulta, dois na observação pediátrica e um em isolamento.

Benedito Tadeu Domingues da Cunha, de 63 anos, é um desses pacientes, ele já havia recebido a primeira dose da vacina quando começou a se sentir mal e decidiu procurar por atendimento na última quinta-feira, 3 de junho. Ele foi de carro, sozinho, até a UPA da cidade e na consulta o médico constatou que seu estado de saúde estava se agravando e solicitou a internação dele, um exame confirmou positivo para covid-19. Nesta semana, de terça para quarta-feira, seu estado de saúde piorou e ele precisou ser intubado.

Sr. Benedito Tadeu (Imagem: arquivo pessoal)

 

O paciente aguarda por uma transferência para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde poderá ser melhor assistido. De acordo com familiares, os médicos já avisaram que seus rins estão falhando, agora eles correm contra o tempo em busca de uma vaga.

Quem regulamenta as vagas de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é uma plataforma chamada CROSS – Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde, que está sobrecarregada com o aumento de casos em todo estado. Por este motivo, os familiares de Benedito tentam também uma vaga na rede particular, porém até o momento sem sucesso, já que as vagas nesses hospitais também já estão todas preenchidas. Eles alegam também que a fila do CROSS não anda para pacientes de Mirassol.

O Mirassol Conectada conversou com a filha de Benedito, Rita Bertolo, que explicou que entrou com um pedido de liminar para conseguir uma vaga de UTI para o pai, porém de acordo com ela o juiz da vara especial, que analisou o caso, afirmou que se tratava de situação muito complexa e por isso encaminhou a ação para outro juiz, da vara simples, que ainda não deu uma resposta.

“Ontem (10.06) fez uma semana que meu pai está internado na UPA, entrou em leito de enfermaria e o caso foi agravando, estava na fila do CROSS por um leito de enfermaria, depois passou para UTI e está aguardando desde então, vamos tentar até o último minuto, estamos batendo de hospital em hospital, a transferência tem que ser urgente para um hospital porque ele precisa fazer diálise, porém nem a liminar conseguimos” – disse a filha de Benedito ao Mirassol Conectada.

Outra paciente que aguarda por uma vaga de UTI é a Sandra Mara Clemente dos Santos, de 53 anos. Ela foi atendida na UPA e está internada desde o último domingo, 6 de junho, na unidade. Na mesma noite ela teve uma piora e precisou ser intubada. O seu quadro se agrava a cada dia e seus rins também já estão apresentando falência. A família entrou com uma liminar solicitando a transferência urgente da paciente, que foi deferida pelo juiz de direito Dr. Marcos Takaoka. Porém a vaga ainda não saiu e a paciente segue aguardando.

Sandra Mara Clemente dos Santos (Foto: arquivo pessoal)

 

Governo de São Paulo fala que CROSS é dinâmico e que pacientes precisam aguardar

 

Em contato com a assessoria de comunicação do estado de São Paulo, o Mirassol Conectada foi informado de que os casos dos senhores Benedito Tadeu Domingues da Cunha e Sandra Mara Clemente dos Santos estão sendo monitorados pela Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross), com a finalidade de auxiliar na transferência. A assessoria não informou qual a posição dos pacientes na fila.

Sobre a central dar preferência para pacientes que já estão em hospitais, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que é uma alegação inverídica.

“Desde o início da pandemia, a Secretaria de Estado da Saúde mantém uma estratégia especial de gestão de leitos hospitalares para dar prioridade à internação e eventuais transferências de pacientes com quadros respiratórios agudos e graves de serviços do SUS, sejam eles hospitais ou UPAs. Importante deixar claro que o deslocamento de pacientes a outros serviços de saúde requer quadro clínico favorável, com base em avaliação médica para um deslocamento com segurança, e portanto não depende somente da disponibilidade de vagas”, diz trecho da resposta enviada ao Mirassol Conectada. 

A SES afirmou ainda que a demanda de transferências para casos de COVID-19 registradas na Cross é descentralizada na rede, considerando que há regulações municipais ou regionais, com os respectivos serviços de referência para sua área de abrangência. Ou seja, o sistema também é utilizado pelos municípios, que têm autonomia para avaliar e encaminhar casos em seu território.

Estado já repassou R$ 297,3 mil para Mirassol para o combate à pandemia 

A Secretaria de Estado da Saúde informou que já repassou à região de Rio Preto aproximadamente R$ 19 milhões para combate à pandemia, sendo R$ 297,3 mil especificamente para o município de Mirassol. A SES orientou ainda que a reportagem procurasse pelo município, uma vez que este possui autonomia para definições estratégicas, abertura de hospitais de campanha e ampliação de leitos em seu território.

“Durante a pandemia, a Secretaria triplicou o número de UTIs no SUS de SP, saltando de 3,5 mil para mais de 10 mil. Só na região de São José do Rio Preto, o salto foi de 208 para 471 leitos de UTI, além de contar com mais de 600 leitos clínicos”, informou a SES em resposta ao MC.

A secretaria destacou que a ativação de novos leitos, bem como medidas mais restritivas tidas como necessárias conforme a realidade local, não é prerrogativa exclusiva do Estado, mas também das Prefeituras e da União.

A Prefeitura foi questionada sobre quais providências estão sendo tomadas para garantir atendimento aos pacientes de Mirassol como a criação de um hospital de campanha, mas não obtivemos resposta. Um hospital de campanha foi anunciado pelo município quando a segunda onda se agravou, mas a medida foi descartada, segundo a assessoria de imprensa do executivo devido à falta de insumos no mercado como oxigênio, medicamentos e mão de obra de profissionais como médicos e enfermeiros.

Hospital de Base sofre com superlotação e abertura de leitos não acompanha aumento de casos

 

(Foto: Divulgação/Hospital de Base)

A situação está crítica em toda a região e não é de hoje que os profissionais de saúde clamam à população para que evitem sair de casa e que adotem os cuidados para frear o avanço da pandemia. Em evento realizado pela Funfarme/Hospital de Base de Rio Preto (HB) e pela Associação Comercial e Empresarial de São José do Rio Preto – Acirp, o diretor executivo da Funfarme, Dr. Jorge Fares, falou sobre a superlotação da instituição, tanto em leitos particulares quanto do SUS e afirmou que vem recusando pacientes dia após dia por falta de estrutura.

Em contato com a assessoria de imprensa da instituição, fomos informados de que a Funfarme e suas unidades – Hospital de Base de Rio Preto e Hospital da Criança e Maternidade – atendem os pacientes encaminhados através da Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (Cross), da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. A Fundação ressalta que, juntamente com seus profissionais, empenha-se para atender e prestar o melhor atendimento à população dos 102 municípios do DRS XV (Departamento Regional de Saúde). Atendimento e internações são oferecidos objetivando a segurança e cuidado de cada paciente.

Antes da pandemia, o Hospital de Base tinha 117 leitos de UTI. Atualmente são 255, dos quais, 183 para pacientes covid-19, já o Hospital da Criança e Maternidade conta com mais 14 vagas de UTI, totalizando 197. Dr. Jorge Fares explicou que o problema não está no número de leitos disponibilizados para pacientes, mas sim no não cumprimento de medidas para frear o avanço da doença.

“A nossa região hoje, saiu isso e é amplamente divulgado como vocês sabem, é a pior região não só do estado como talvez do país com covid, morrendo quase 500 pessoas para cada 100 mil habitantes, é uma coisa absurda que está acontecendo em nossa região. A discussão vem “é falta de leitos?” Não, pelo contrário, nós temos muitos leitos, é uma das regiões que mais tem leito hospitalar. Quer dizer, o problema não é leito hospitalar, começa a discussão por aí, não sendo leito hospitalar, aonde está o problema? Para quem não sabe nós temos 197 leitos na nossa instituição, 197 LEITOS de UTI para Covid, negando vagas para pacientes de toda região e de Rio Preto, pacientes que estão nas unidades, pacientes de 40 anos morrendo, pacientes de Mirassol aos montes, de todas as cidades da região, pacientes jovens. É uma coisa extremamente triste para quem está na área de saúde”, disse Dr. Jorge Fares durante seu discurso no evento “Você protegido, comércio garantido”, realizado pela Funfarme em parceria com a Acirp nesta semana.

De acordo com o boletim diário divulgado pelo Hospital de Base, Mirassol já encaminhou 519 pacientes para internação na instituição. É o município da região que mais mandou moradores. A cidade possui mais de 60 mil habitantes e nenhum hospital público com leitos de UTI adequados para atender pacientes com quadro grave de Covid-19, que já contaminou quase 8 mil pessoas e matou outras 218 (dados de 10 de junho).

Advogada já entrou com liminares para pacientes, mas espera não muda

 

A advogada Natália Oliveira Tozo, do escritório de advocacia Cabral de Melo Advogados, já entrou com liminar na justiça para atender diversos pacientes que se encontravam internados na UPA e que precisavam de uma vaga na UTI. Em contato com o Mirassol Conectada ela explicou que a deficitária infraestrutura da saúde brasileira, as desigualdades regionais e sociais e mesmo a vulnerabilidade de grande parte da população maximizam a procura para acionamento do Judiciário a procura de uma decisão que “obrigue” o Poder Estatal a transferir os pacientes que encontram-se internado em Prontos Atendimentos (UPA) para um hospital, seja na enfermaria ou UTI, para um tratamento digno e com recursos para ao menos, tentar salvar vidas.

“O que vem ocorrendo com muita frequência, em todas as vezes que fui procurada para dar este auxilio às pessoas que se encontram na UPA ou até mesmo em conversa com diversos colegas Advogados que também prestaram esse auxilio, é que, entre o tempo da procura da família pelo profissional (advogado), solicitação e reunião dos documentos necessários para o ingresso da ação no Judiciário e a concessão de liminar pelo Juiz para obrigar que os Estado e o Município realize a transferência do paciente para um hospital, seja ele público ou privado (conveniado ao SUS), todo esse caminho a ser percorrido, faz com que o estado de saúde do paciente se agrave e que ele venha a óbito, já que a urgência de atendimento mais eficaz é imediata e a demora na transferência para um hospital, com recursos, faz o quadro clinico se agravar”, explica Natália.

Ela também explica que mesmo com a liminar concedida pelo poder judiciário, o paciente continua incluído na fila do sistema CROSS. De acordo com Natália, esse problema já foi vivido no início do ano em Mirassol e de lá para cá nada foi feito para melhorar a situação dos moradores da cidade que dependem do SUS.

“Não logra êxito na transferência imediata, já que a alegação do Poder Público é que não há vagas para transferência. Ou seja, estamos vivendo um colapso na saúde já vivenciado há quatro meses atrás, quando a história que estamos contando hoje, foi contada lá atrás, em meados de fevereiro e março, e o que vemos é que nenhuma providência foi tomada pelo Poder Público para minimizar essa situação e salvar vidas”, finaliza a advogada.

Vacinação segue ritmo lento e medidas de proteção são ignoradas

 

Enquanto a vacinação contra a Covid-19 avança em ritmo lento em todo o país, a doença não espera e vai contaminando cada vez mais à medida que as pessoas continuam desrespeitando os protocolos de segurança e promovendo aglomerações desnecessárias. Com pouco mais de 28% da população vacinada com a primeira dose, especialistas são unanimes em afirmar que apenas com um percentual de 60% ou 70% de vacinados com a segunda dose é que a doença pode começar a ser controlada para assim desafogar os hospitais. Essa margem, no cenário mais otimista, só deve ser alcançada daqui a três meses ou mais.

Sem vacina, parte da população vive como se não existisse pandemia, lota festas clandestinas, bares, depósitos de bebidas, chácaras, churrascos e praças, muitas vezes desrespeitando o distanciamento social e não utilizam máscaras, acessório indispensável para controlar a propagação do vírus.

Nesta semana, a prefeitura divulgou que a Vigilância Sanitária autuou seis estabelecimentos comerciais do município por estarem em desrespeito com as medidas de combate a pandemia. Foram três espetinhos e três bares que foram flagrados infringindo as regras sanitárias e principalmente por aglomeração. Cada empresa foi multada em 500 Ufesps, ou seja, em R$ 14.540,00.

O munícipe também pode fazer denúncias, anônimas ou não, pelo canal da ouvidoria da Prefeitura de Mirassol. Basta acionar a ouvidoria pelo link: https://falabr.cgu.gov.br/publico/SP/MIRASSOL/Manifestacao/RegistrarManifestacao

UPA recebe 12 macas e dois respiradores para atender pacientes

No início da noite desta sexta, 11, a prefeitura divulgou que a  UPA Mirassol recebeu 12 macas e dois respiradores para atender a demanda de pacientes do município. As macas foram cedidas pela Faceres de São José do Rio Preto e os respiradores foram entregues pela Secretaria Estadual de Saúde. Com isso, nove macas já foram utilizadas pelos pacientes internados. Já com os novos respiradores, a UPA aumentará a capacidade de atendimento em 50%, uma vez, que o local já estava equipado com quatro respiradores estacionários e um de transporte, chegando neste momento a seis respiradores estacionários.

A Prefeitura confirmou também que a UPA já atingiu sua capacidade máxima de ocupação e por isso é importante a população tomar os devidos cuidados como a utilização de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos. Cuide de você e da sua família.