O que a morte de George Floyd diz sobre nós?

Artigo escrito por Ana Beatriz Rodrigues

George Floyd foi asfixiado até a morte pela polícia dos EUA (foto: divulgação)

George Floyd foi assassinado em 25 de maio de 2020, vitima de violência policial pelo racismo nos EUA. Ele estava imobilizado no chão e foi sufocado até a morte por um policial branco. Suas últimas palavras foram “eu não consigo respirar”.

Sua morte foi lenta, cerca de 9 minutos, filmada e divulgada na rede mundial de computadores, como forma de exposição e denúncia. Mas eu te pergunto: e daí?! George está morto.

O crime repercutiu numa revolta mundial tamanha que até o – até então esquecido, após 6 anos de inatividade – grupo de hackers “Anonymous” saiu da cova em busca de justiça.

Mais de 8mil km me separam de Minneapolis, local dos fatos, e mesmo assim o assassinato de George diz muito sobre nós.

Como criminalista é parte do meu trabalho estudar a criminologia e comparar dados estatísticos sobre criminalidade e o sistema prisional de diversos países para compor minhas teses, artigos e oratória.

Ainda que exista uma expressiva diferença socioeconômica entre o Brasil e os  Estados Unidos da América, segundo dados da BBC, é notória a similitude da desigualdade racial: a taxa de analfabetismo no brasil é de 9,1% contra 3,9% entre os brancos, nos EUA 24% dos negros estão abaixo do nível básico contra 7% dos brancos, o que impacta, por decorrência lógica, na taxa de desemprego.

Segundo o mais recente anuário estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75% das pessoas assassinadas no Brasil em 2017 eram negras. Nos Estados Unidos, os negros tendem a ser mais mortos a tiros pela polícia que os brancos, chegando a 23%. A população carcerária negra já chegou a 70% nos EUA e 67% no Brasil. Atualmente, os EUA têm mais negros na prisão do que escravizados no século XIX.

Tão antiga quanto a história da humanidade é a crença na existência de superioridade racial, que muitas vezes servia para justificar a exploração de uma camada da sociedade como na escravidão.

Para Montesquieu, era natural que cor constituísse a essência da humanidade. Ele duvidava que os negros possuíssem alma. Fundamentava sua tese na declaração de que ao trocarem ouro por colares ou espelhos sem valor, estariam demonstrando, os negros, sua ausência de discernimento.

Por mais absurdo e contraditório que possa parecer, o racismo tem raízes nas ciências, em especial a criminologia, que fora criada pela escola positiva italiana. Aliás, faz-se impossível falar em racismo sem mencionar as escolas crítica e positiva da criminologia.

Inspirada pelas teorias de Darwin, Lamarck e Augusto Conte, o objeto da escola positiva é o criminoso que tinha seu caráter delinquente revelado pelo seu biotipo.

Lombroso, médico psiquiatra que é considerado pai da antropologia criminal, desenvolveu várias teses racistas, dentre elas uma obra publicada em 1871 intitulada “O Homem Branco e o Homem de cor”, em que descrevia os homens negros e habitantes do sul da Itália como seres inferiores na escala evolutiva.

A carência de políticas públicas de readaptação e inclusão social para os negros após a abolição/alforria fez com que a maioria dos negros passassem a viver em condições de extrema pobreza financeira, assistencial e educacional e a integrar comunidades periféricas.

Quando o experimento do psicólogo Philip Zimbardo originou a teoria das janelas quebradas constatou-se que uma área descuidada é uma área vulnerável à produção de delitos.

O labeling approach (teoria do etiquetamento), ainda que não se preocupe com os aspectos macrossociológicos e históricos da criminalização, explicita uma valoração diferenciada das condutas e seleção daquelas que merecem o abraço do sistema penal. Para essa teoria, a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo de estigmatização. Nela o indivíduo estigmatizado tende a se comportar como o rótulo que lhe é imposto pelo meio social como consequência do tratamento discriminatório que sofre.

Por morarem em áreas vulneráveis e carregarem na pele uma carga histórica socialmente prejudicada, por vezes, as pessoas negras são rotuladas como um perigo a ser eliminado.

Hoje vemos cartazes de “black lives matter” por todo o mundo. Do lado de cá, no Rio de Janeiro, crianças com idades entre 5 e 12 anos como Kethellen Umbelino de Oliveira Gomes, Ágatha Vitória Sales Félix, Kauê Ribeiro dos Santos, Kauan Peixoto, e Jenifer Cilene Gomes são mortas quase que todos os dias por violência policial. Policiais que atiram em crianças negras porque se assustaram ou as confundiram com criminosos por serem negras.

A morte de George diz muito sobre o racismo policial e sobre nós: atire a primeira pedra quem nunca viu uma pessoa negra dirigindo uma BMW e pensou se tratar de um motorista, ou de terno achou ser segurança, ou que mudou de calçada porque temeu ser assaltado por um negro, ou disse que algo mal feito era “serviço de preto”.

George morreu, morre e vai continuar a morrer todos os dias enquanto o discurso de “vidas negras importam” não deixar de ser uma hasgtag e passar a ser um comportamento diário a ser adotado e cobrado pela sociedade entre os populares, políticos e policiais. Floyd morreu sufocado por um policial, mas quem deu forças para que isso ocorresse foi a sociedade.

(Imagem: Reprodução)

 

Sobre a autora

Ana Beatriz Rodrigues tem 24 anos e é advogada criminalista. Coordena comissões de diversidade de gênero e de direito militar da OAB Mirassol, além de ser membro da comissão da jovem advocacia. É pós-graduanda em direito público e em direito empresarial. Considera-se apaixonada pelo direito e pela advocacia desde que iniciou os estudos na área, aos 16 anos, pelo Centro Paula Souza.