Artigo escrito por Ana Beatriz Rodrigues
Em todos os canais, redes sociais e jornais, a manchete é a mesma:
“Questionado sobre cheques de Queiroz a Michelle, Bolsonaro diz a jornalista: ‘Minha
vontade é encher tua boca na porrada’.
Nem de esquerda, nem de direita, nem do centrão. Eu sou a pessoa que fica sentada lá
em cima vendo vocês se atacarem por político de estimação (eu me divirto muito com
isso! Vocês não imaginam o quanto é engraçado, pra mim, ver vocês brigando com
pessoas que vocês gostam em nome de algum político que nem sabe que vocês existem
e que provavelmente jantam juntos após baterem boca no TV Senado) e torcendo pra
pegarem todo mundo que tem rabo preso no país: de diretores de escola à chefes do
Executivo (no plural porque o Poder Executivo tem chefes em nível federal, estadual,
municipal).
Por mais que a gente queira explicações do presidente, ele não tem o dever legal de se
explicar publicamente.
Criticar a postura do Presidente que, desde sempre, se pronuncia como um garoto
rebelde de 12 anos, como se fosse algo totalmente inesperado da parte dele, só mostra
como criança reclama da dor da cárie, mas não para de comer doce.
Sabe o que o amor e a política em comum? A gente sempre espera que o outro faça mais
do que ele dá conta. A gente sabe que o cidadão não vai pôr o lixo pra fora e nem parar
de encher a pia com um monte de pote que você nem sabe pra que serve, mas ainda
insistimos em brigar por isso.
Se ele deve explicações a alguém vai ser para as autoridades judiciárias. Daí o título do
presente artigo.
Se tem uma matéria que deveria estar na grade escolar é direito constitucional e eu nem
estou falando do controle de constitucionalidade, que muita gente leva uns sete anos pra
entender direito. ADI, ADC, ADPF e ADO realmente são dignas de curso superior, mas
direitos e garantias fundamentais e uma boa base de direito politico nos salvariam os
olhos de muito comentário idiota. Nos privaria, também, de muito discurso de ódio
infundado (porque pior que o discurso de ódio, só aquele fundado em vários nadas além
de uma vida amarga e mal amada).
Em muito me chateia ver a chuva de desinformação que teve naqueles tempos sombrios
de tira-e-põe-presidente não foi o suficiente pra ensinarem pelo menos isso.
Assim como os paramentares -como o zero não sei mais qual- o Presidente da República
goza de foro privilegiado, que é uma forma de se proteger a função, de garantir que
ninguém vai ser perseguido na justiça por desempenhar determinada função pública e,
justamente por isso, perde-se o foro quando deixa a função.
No caso citado, a dona Michele é gente como a gente e não goza de nenhum foro. Ser
primeira dama não é uma função pública. Se as investigações caminharem no sentido de
eventual responsabilização cível ou criminal, ela vai responder perante a justiça comum
como todos nós. Vai ser denunciada pelo Ministério Público (MP para os íntimos) e o
processo vai seguir o rito cabível ao eventual ilícito se a ela imputado e como todos nós
vai precisar contratar um bom advogado.
Caso “dê ruim” para o Presidente, aí a conversa muda. Existe uma divergência até se ele
poderia ser processado enquanto exerce a função por atos estranhos a ela.
Mas como daria ruim pro presidente? Aí depende do motivo que levou a primeira dama,
Michelle Bolsonaro, a receber R$ 89 mil de Fabrício Queiroz.
Mas vamos supor que seja instaurado inquérito para apurar a conduta do Presidente,
quem o julgaria? Depende. Depois que o processo for autorizado por, no mínimo, 342 dos
513 deputados federais, se o crime for comum, a competência seria do STF. Se for crime
de responsabilidade/ infrações politico-administrativas, o Senado. É o que diz o artigo 86
da CF (Constituição Federal, Carta Magna, Carta Mãe):
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1o O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixacrime pelo Supremo Tribunal Federal;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.§ 2o Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
§ 3o Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4o O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Agora, se o presidente for julgado por ato estranho à função após o mandato (mandado é
judicial) ele será julgado pelo juízo comum: volta a ser gente como a gente.
Por pior que seja a postura do Presidente, por mais que o pressionemos não nos prestará
contas sobre o depósito na conta de sua cônjuge simplesmente porque não é obrigado
(está exercendo seu direito constitucional de não fazer ou deixar de fazer algo que não
seja imposição legal- embora fosse mais recomendável que tivesse exercido o direito
constitucional de permanecer em silêncio à agredir jornalistas que estão cumprindo com o
dever funcional) e ficarei muito surpresa se ele não soltar um: “o dinheiro que entra na
conta dela não é da sua conta” numa transmissão oficial.
Que isso sirva para que, nas próximas eleições votemos -ainda que no menos pior- ao
invés de justificar voto e deixar que os outros escolham por nós. Que não tratemos
política com escárnio para fazer vingar meme. Se houver alguma prova de que tais
depósitos tenham origem ilícita, devemos pressionar, não o marido (a menos que o nome
dele surja diretamente ligado aos fatos na investigação né?! rs), mas ao judiciário por uma
resposta rápida e uma punição justa.
Além disso, deveríamos nos preocupar um pouco mais em cobrar uma postura proba que
honesta daqueles que nos cercam. Denunciar aqueles que sabemos que desviam bens e
verbas públicas, para então cobrar os políticos.
Longe de mim passar pano. Quem me conhece sabe: nem gregos nem troianos. É que,
por mais clichê que seja, o governo não é outra coisa além do reflexo do seu povo.
Se escolhemos corruptos e garotos birrentos para governar é porque de alguma forma
nos identificamos com eles e enquanto essa identificação não mudar, vamos continuar
sendo motivo de chacota internacional e de um interminável discurso de ódio politico.
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Sobre a autora:
Ana Beatriz Rodrigues tem 24 anos e é advogada criminalista. Coordena comissões de diversidade de gênero e de direito militar da OAB Mirassol, além de ser membro da comissão da jovem advocacia. É pós-graduanda em direito público e em direito empresarial. Considera-se apaixonada pelo direito e pela advocacia desde que iniciou os estudos na área, aos 16 anos, pelo Centro Paula Souza.