RESENHA: Bacurau

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Haja vidraça pra repor depois de tantas pedras jogadas diariamente nas janelas do cinema brasileiro. Esse que sofre com falta de investimento e vive uma realidade totalmente diferente da hollywoodiana, enfim ganha uma obra que se torna popular e aguça o interesse até dos que olham receosos o cinema nacional. Bacurau chega no momento em que se faz necessário, incluindo o paralelo com os EUA. O longa dirigido por Kleber Mendonça Filho, apresenta além de um diretor mais maduro – falando em questões sociais como já abordadas em Som ao Redor e Aquarius, trazendo equilíbrio e energia apresenta um dos grandes filmes do ano.
Filmado no Sertão do Seridó, Rio Grande de Norte, KMF apresenta um sertão com a fidelidade de Leon Hirszman em São Bernardo. O longa inicia dando adeus a Dona Carmelita, mulher forte e querida por quase todos, durante a triste despedida a fotografia e a trilha tomam conta da narrativa apresentando o povoado e costumes de Bacurau. O longa poderia ser definido como direção pura e simples, a visão crítica de KMF na alfinetada aos sulistas, o povoado que aparenta frágil – desconfiança oriunda da localização, mostra-se diferente do edifício Aquarius, em que se vive na solidão burguesa.
Bacurau tem personagens fascinantes, não apenas no sentido de filmografia, no sentido social. A consciência de classe em si e para si, traz uma veia anarquista para o povoado que não tem empatia alguma com políticos. O longa sopra algumas lembranças de Sete Homens e um Destino com um tom tarantinesco, construindo no seu tempo os atos que precedem justiça e/ou vingança.
Voltando aos norte-americanos já citados, esses são o quadro social que escarra a visão do diretor sobre a atual situação do Brasil. Fazer uma caçada no sertão de um país socialmente em frangalhos parece tão natural que o ato de defesa provoca indignação aos nossos turistas. Acostumados com faroeste, buscam diversão, mas não esperam que a união de uma comunidade não polarizada – deferente do resto do país, poderia mudar todo um cenário de caça esportiva. O filme trafega por contextos sociais, apresentando personagens que nos faz pensar se realmente são atores ou moradores da região. Com roteiro tipicamente nacionalista e direção honesta, o longa desliza em alguns momentos na falta de orçamento, usando drone que mais parece homenagem de filme trash, com narrativa centralizada em poucos pontos de gravação.
No terceiro ato, KMF explode tudo que tinha guardado nos trabalhos anteriores, nada contido, combatendo a violência com violência, criando a cena icônica em que as paredes da educação protegem os moradores das balas, combatendo e/ou se defendendo com organização social e a “irresponsável” anarquia. No fim, Bacurau tem a simplicidade do sertão e complexidade do cenário atual, evidenciando diversos fatores: visão norte-americana sobre o Brasil, população de norte e nordeste deixada socialmente á margem, união como força, independente de classe – pontuando traição entre os turistas. Por fim do que o ser humano é capaz, não apenas por maldade ou preconceito, mas também por autodefesa.