A Câmara de Mirassol recebeu gratuitamente cartilhas e folders de divulgação para os trabalhos que serão desenvolvidos durante a Semana da Consciência Negra. Os materiais foram fornecidos pela Secretaria de Justiça e Cidadania, do governo do Estado.
Foram entregues 500 cartilhas ‘São Paulo Contra o Racismo” e 500 folders de orientação e conscientização sobre discriminação racial. O pedido foi feito em ofício do vereador João Paulo de Araújo à Coordenadoria de Política Para População Negra e Indígena do Estado de São Paulo. O recebimento aconteceu na sexta-feira (11), juntamente à vereadora Cida Dias, que está atuando nas atividades da Semana da Consciência Negra.
Origem do Dia da Consciência Negra
Em 1971, um grupo de jovens negros se reuniu no centro de Porto Alegre para pesquisar a luta dos seus antepassados e questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como referência de celebração do povo negro. No lugar, sugeriam o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais. A semente plantada ali é um dos marcos da constituição dos movimentos negros e está na raiz do Dia da Consciência Negra.
Passados 51 anos dos encontros na capital gaúcha, o Senado aprovou um projeto de lei (PLS) 482/2017, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que converte o 20 de novembro em feriado nacional e contribui para reforçar a luta pela igualdade racial. Mas os desafios para mulheres e homens negros no Brasil se acumulam: eles têm salários menores, sofrem mais com a violência e o desemprego e estão sub-representados em cargos políticos. Dirimir marcas tão profundas da escravidão exige, entre outros pontos, a adoção de medidas concretas de reparação e de elevação da representatividade dos negros na política e em outros postos-chave na sociedade, de acordo com o que dizem senadores, pesquisadores.
Entre os jovens que se reuniram em Porto Alegre estavam Antônio Carlos Côrtes, Oliveira Silveira, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos. Juntos, eles formaram o Grupo Palmares, uma associação que realizava estudos sobre a história e a cultura negra. Foi em uma reunião na casa dos pais de Côrtes que escolheram o nome em alusão ao quilombo que resistiu por quase cem anos.
Para os gaúchos, já passava da hora de romper com a ideia de liberdade concedida, substituindo-a por uma concepção de liberdade conquistada. O advogado, Antônio Carlos Côrtes, hoje com 72 anos, destaca que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (1846-1921) no dia 13 de maio de 1888, foi uma “abolição incompleta”, pois não garantiu assistência ou apoio governamental para o acesso a terras, educação e trabalho a mulheres e homens antes escravizados.
A Lei da Vadiagem a que se refere Côrtes pune quem estiver “habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que assegure meios bastantes de subsistência”. É uma contravenção prevista no artigo 59 do Decreto-Lei 3.688, de 1941, ainda em vigor. A criação de uma norma nesse sentido tem raízes no Código Criminal do Império e no Código Penal de 1890 que atingiu em cheio os ex-escravizados e seus descendentes. Os negros estavam livres pela Lei Áurea, mas sem trabalho e impedidos de frequentar escolas.
Sem apoio do Estado para a inserção dos ex-escravizados na sociedade e diante das mazelas que seguiram afligindo o povo negro, o Grupo Palmares decidiu dizer “não ao 13 de maio” e buscou por meio de estudos uma nova data que simbolizasse a luta negra. Foi assim que descobriu a data da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder do Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas. O quilombo foi o maior reduto de resistência à escravidão do período colonial.
O Dia da Consciência Negra ganhou visibilidade pela primeira vez em 1971, quando o grupo pioneiro realizou um ato evocativo à resistência negra na noite do dia 20 de novembro no clube Marcílio Dias, em Porto Alegre. O evento valorizava “o herói Zumbi dos Palmares”.
De acordo com o pesquisador Deivison Campos, professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), a proposta do coletivo gaúcho redirecionou o processo de integração do negro na sociedade brasileira e rompeu com a tradição forjada por aqueles que estavam no poder.
“Essa ruptura entre uma liberdade conquistada e uma liberdade concedida diz muito do que foi a movimentação da população negra de maneira geral desde o processo abolicionista até, praticamente, os anos 1970, quando a principal forma de integração social se dava através do branqueamento, ou seja, da assimilação, fosse ela cultural, fosse ela estética. Socialmente, os negros eram levados a se identificar com os elementos culturais da sociedade branca brasileira” — pontua.
Além de um contraponto à data “oficial”, a escolha do 20 de novembro também representou uma forma de valorizar a cultura, a história e o papel político dos afro-brasileiros na sociedade. Esses elementos, aponta o pesquisador, vão balizar não só essa identidade, mas as ações do movimento negro a partir de então.
“Toda a luta antirracista está baseada nessa identidade com referencialidade negra, afro-brasileira, uma coisa que antes do 20 de novembro era impensável. A partir daquele momento, as pessoas negras mais engajadas se deram conta de que deveriam negociar a sua integração plena na sociedade brasileira a partir de outro lugar, não mais a partir do branqueamento social, mas de uma identidade negra, uma nova forma de negociar a cidadania. A semente foi plantada pelo Grupo Palmares” — aponta o pesquisador.
A semente cresceu, fincou raízes e deu frutos. Começaram a surgir manifestações em todo o país dando apoio à iniciativa e atos relembrando figuras negras históricas e até então esquecidas pelos livros de história e pela sociedade em geral. Os atos passaram a ser replicados todo mês de novembro em várias cidades. A proposta defendida pelo Grupo Palmares ganhou fôlego em 1978 quando foi assumida pelo Movimento Negro Unificado (MNU). A partir dali, a data foi cravada com um marco da luta e resistência ao racismo. O apoio do MNU colocou de vez na agenda política nacional a necessidade de criação de políticas públicas de igualdade e equidade racial, ausentes no 13 de maio de 1888.
Feriado nacional
Depois de árdua luta do movimento negro e a aprovação pelo Senado em 2003, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário escolar a partir da sanção da Lei 10.639, de 2003, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Oito anos depois, a então presidente Dilma Rousseff oficializou a data como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Mas o 20 de novembro só é feriado em locais com leis municipais ou estaduais específicas.
Fonte: Agência Senado