Acontecia sempre de forma parecida: ao começar o novo ano escolar, eu ia até a papelaria do Sr. Edisel, que ficava logo ao lado da escola, e escolhia um novo caderno. Não era tarefa fácil para uma criança, pois fosse do tipo brochura ou espiral, ele não poderia ser um caderno qualquer. Novas disciplinas nos aguardavam. Quem seriam os professores? Os velhos conhecidos de sempre, ou teria algum professor novo? Essas questões nos incitavam, provocavam ansiedade.
O caderno seria o parceiro que nos ajudaria a superar essas inquietudes, mas sua importância se fazia principalmente pelas folhas em branco. Límpido, ele representava uma nova possiblidade, um novo começo. A oportunidade de fazer, agora sim, as coisas do “jeito certo”.
Prometia a mim mesmo que dessa vez não haveria falhas. Iria criar uma nova rotina, faria as tarefas de casa antes de ir para a rua brincar (sim, nós brincávamos na rua). Abria novamente o velho caderno de caligrafia, que apesar de ser meu velho conhecido de alguns anos, tinha apenas duas ou três páginas preenchidas. Renovava minhas esperanças de fazer uma página por dia e assim ter a escrita perfeita. Os estudos seriam sistemáticos, aconteceriam todo dia, não apenas na véspera da prova. Ano novo, agora vai!
É claro que essa euforia não durava muito. Em pouquíssimo tempo eu já havia voltado à velha forma conhecida de fazer as coisas, e deixava de estudar as disciplinas que eu não gostava. Lia tudo em cima da hora da prova, fazia a maioria das tarefas de casa na sala de aula, pouco antes da correção.
Conseguia notas altas, mas achava-me um péssimo aluno por conta dessas coisas, ou no máximo um aluno mediano. Só consegui desfazer essa imagem depois de algum tempo de análise. Foi junto à minha analista que compreendi que crescer nos seduz, mas também assusta. Tornamo-nos adultos, mas carregamos para sempre a criança que um dia já fomos.
Os que convivem mais com os pequeninos sabem que é preciso sensibilidade para compreender seu compasso. Eles se cansam facilmente, e quando estão em situações novas, apesar da excitação, rapidamente querem voltar ao refúgio do seu mundo particular. É preciso um bom diálogo por parte do adulto, ter a capacidade de perceber seu desconforto, não exigir deles mais do que conseguem e dar o acolhimento que eles precisam.
O ano está prestes a terminar, e ano novo é como caderno novo. A sensação de ter todas as folhas em branco nada mais é que uma expressão otimista dos balanços que fazemos a cada fim de ano. Prometemos que desta vez não haverá folhas amassadas, letra mal feita ou folhas incompletas. Traçamos metas, fazemos listas de objetivos a serem alcançados, que na maioria são desejos disfarçados de nossa insaciável pretensão à perfeição. E assim o ano novo é fadado, logo no início, à frustação.
Crescer é bom, nos fascina, mas também assusta. Desbravar novos territórios é saudável e esperado, e nesse sentido, novas resoluções são sempre bem vindas. Mas de tempos em tempos, é inevitável voltar a pisar naquele velho terreno já conhecido. Ainda que ele tenha a cara de um velho caderno, incompleto e com folhas rasuradas.
Nem preciso dizer que minha letra continua desalinhada, o que compenso fazendo minhas anotações em meios digitais sempre que posso. Mesmo assim, como a maioria das pessoas, boto fé na renovação e acredito que desta vez vou fazer tudo diferente. E se não? Sejamos mais compreensivos com a gente mesmo. Dentro de cada adulto, existe uma criança que demanda tradução e acolhimento. Abaixe-se até ela, olhe-a nos olhos com carinho e a conforte.
Que 2018 traga a todos nós a renovação que precisamos.
Um Feliz Ano Novo!