As vantagens de ser invisível

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Por Ana Beatriz Rodrigues

Querido amigo, de tempos em tempos algum evento surge como uma onda que arrasta uma série de eventos similares. Foi assim com a lava-jato. Com as CPIʼs. Com os casos de violência doméstica e agora tem sido com os casos de abuso infantil.

As vantagens de ser invisível é livro, de Stephen Chbosky, que virou filme em 2012 (inclusive foi tema do meu último trabalho de literatura do ensino médio na saudosa FEM) e aborda o tema. O filme é bem mais explícito e o livro bem mais intimista. O que os dois tem em comum: captam bem, ao meu ver, os desdobramentos do trauma pelo abuso sexual infantil e sobre a sutileza da fragilidade das relações familiares.

Meu artigo sobre isso poderia ser uma imersão ao ECA e julgados e pareceres técnicos sobre coisas que aconteceram nesse campo de alecrim dourado que é Mirassol. Mas dessa vez eu vou deixar só uma indicação de um filme disponível na Netflix e com um baita elenco de peso.

O livro conta a história de Charlie em cartas ao “querido amigo” que pode facilmente ser o leitor. Ambas as mídias possuem uma linguagem sutil e uma baita trilha sonora que inclui de David Bowie a The Smiths (o livro traz varias indicações de músicas para serem escutadas ao longo da leitura).

Não acredito em spoiler depois de quase 10 anos então aí vai: Charlie era abusado pela tia
quando criança. A tia morreu num acidente quando saiu para comprar um presente a ele.

Ele tem uma série de traumas: por não entender o que exatamente acontecia porque a tia era boa para ele ao mesmo tempo que fazia ele se sentir mal; O alívio em saber que a tia morreu, a culpa por acreditar que ela morreu porque ele de alguma forma conseguiu com a força do querer e a ausência do lado bom daquela tia. Extremamente complexo do ponto de vista psíquico, mas muito bem produzido de forma a transportar o leitor/telespectador para a mente de Charlie.

A maioria das pessoas que vai seguir minha indicação não precisa de um filme desses para
saber que estuprar uma criança é medonhamente errado, eu sei disso, mas o intuito é mostrar o quão sutis são os sinais que essas crianças dão e abrir uma reflexão sobre a atenção que realmente damos aos nossos infantes e se estamos deixamos passar algum sinal despercebido.

Se estamos deixando de acolher alguém que passou por isso e cresceu carregando essa caixa de pandora. Por que um dia essas crianças crescem e podem vir a se tornar adultos “esquisitos” dos quais zombamos sem nunca saber o que fez aquela pessoa ser assim.

Talvez, se olharmos para o outro com um pouco de sensibilidade podemos salvar nossas crianças, quer seja percebendo o comportamento de um futuro molestador quer seja interrompendo o ciclo de abusos.

O que é bem mais eficiente do que fazer aglomeração em tempo de pandemia na porta de uma delegacia querendo ditar pra um delegado como fazer ou não o trabalho dele.

Eu sei que o tédio tá demais e a revolta não foi pouca. Compartilhar foto acusando
alguém de algum crime em rede social é crime mesmo que a pessoa tenha cometido o ilícito a ela apurado, ela tem todo o direito de pleitear indenização por dano moral ( e até patrimonial) por N motivos.

Fazer passeatas pedindo respeito às crianças não vai segurar um estuprador, mas prestar atenção naquelas entrelinhas sutis, nos olhares, nos trejeitos, dar abertura pra criança ou adolescente, fornecer educação sexual, isso sim pode fazer alguma diferença.

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Sobre a autora: 

Ana Beatriz Rodrigues tem 24 anos e é advogada criminalista. Coordena comissões de diversidade de gênero e de direito militar da OAB Mirassol, além de ser membro da comissão da jovem advocacia. É pós-graduanda em direito público e em direito empresarial. Considera-se apaixonada pelo direito e pela advocacia desde que iniciou os estudos na área, aos 16 anos, pelo Centro Paula Souza.