Está se aproximando o dia em que os portais que separam os vivos dos mortos se abrem, data em que acontecem celebrações, cultos, rituais e festas um tanto diferentes do que estamos acostumados. O Halloween é uma festividade comemorada no dia 31 de Outubro, realizada pelos povos de língua inglesa. Ele ocorre um dia antes do Dia de Todos os Santos, fato que é tido como uma das explicações que circulam sobre a origem do nome: All Hallow´s Eve, “véspera de todos os santos”.
No Brasil, a festa é chamada de Dia das Bruxas, e tem se tornado mais popular de tempos pra cá. Mas um projeto de lei federal, com o objetivo de proteger o folclore nacional da importação de cultura norte-americana, instituiu o dia 31 de Outubro como Dia do Saci. A medida não surtiu o efeito esperado. Acho ótimo valorizar nossa cultura, mas colocar o nosso Saci numa batalha contra tantas representações da morte, contra uma celebração mágica, lúdica e ao mesmo tempo macabra, é coloca-lo numa disputa extremamente injusta.
A forma norte-americana de comemorar o dia é a mais conhecida, e deve sua popularidade às fantasias sinistras e brincadeiras infantis. Na tradição original, as máscaras seriam uma forma de evitar o reconhecimento por espíritos que vagam o mundo dos vivos nesse dia. Mas colocar uma fantasia permite outras possibilidades, como “ocultar” a identidade para extravasar conteúdos reprimidos ou revelar algum segredo. Algo semelhante ao nosso carnaval, mas neste, nos últimos tempos, temos feitos o contrário: enquanto no Halloween nos mascaramos para debochar da morte, no carnaval nos despimos e brincamos com a sensualidade, o sexo e a vida.
Talvez pelo fato do tema “sexo” ser menos tabu nos dias de hoje, acabamos por deixar de lado as máscaras e fantasias que acompanhavam os carnavais de outros tempos. Permitimo-nos agora revelar algo de nossos desejos sem disfarce. A morte, no entanto, continua sendo um assunto difícil.
Como bem considerou o sociólogo Norbert Elias, “a morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas”. O nosso maior infortúnio com a morte então talvez nem seja morrer, mas viver sabendo que ela nos espera. Só nós, humanos, sabemos que ela é inevitável.
Ela nos assombra o ano todo, mas escolhemos datas específicas para fazer algo a respeito, para entrar de alguma forma em contato com esse fato que tanto nos perturba. Fazemos isso porque experimentamos hoje, no nosso cotidiano, um distanciamento da morte. Vivemos por mais tempo, a medicina promete um prolongamento da vida, os remédios são como pílulas de imortalidade. Saúde e segurança são almejados, são os representantes do bem estar. Há uma separação maior entre as gerações, de forma que os jovens e crianças não moram mais com os velhos. Já não estamos mais providos de rituais mágicos para mediar a nossa dura relação com a morte. Em nome do pragmatismo, da técnica e da produção, o sagrado foi abandonado. Resta-nos a negação, um recurso muito frágil.
Por isso, essa festa pagã com seu batalhão de monstros acaba sendo um recurso para lidar com algo tão difícil, e assim é facilmente absorvida e aceita por outras culturas. Mas isso tudo fala de um sintoma de nossos tempos: de nossa incapacidade de acolher, de acompanhar e de nos despedirmos dos que estão partindo.
Despedir-se de alguém, sabendo que um dia será a nossa vez, é profundamente difícil. Mas pode ser um antídoto contra a onipotência que nos desumaniza. A morte virá para todos nós. Enquanto ela não chega, a melhor saída não é a negação. Considerar que a morte é parte da vida pode possibilitar que esta seja experimentada de forma plena e potente, repleta de gostosuras e travessuras!