Psicologia & Sociedade: sobre as dores do corpo e da alma

Nesses locais bem iluminados parece haver solução pra tudo. Basta engolir. Dipirona para aliviar a dor. Vitaminas e minerais para quem está cansado. Antidepressivos se você está triste. Está ansioso? Ansiolíticos. Não consegue se concentrar? Ritalina. Lá podemos encontrar também substâncias que, além de curarem as dores do corpo e da alma, dão conta de cabelos perfeitos, peles irretocáveis e dentes mais brancos.

Segundo dados do IBGE de 2015, temos no Brasil uma verdadeira overdose de farmácias. São quatro vezes mais estabelecimentos por habitante do que o recomendado pela OMS. O aumento da classe média nos últimos anos, o melhor acesso a diagnósticos e o aumento da expectativa de vida explicam em parte esse fenômeno. A farmácia é uma demanda dos tempos modernos, sem dúvida.

Há, no entanto, outros fenômenos que explicam o grande crescimento de estabelecimentos farmacêuticos, e o boom pode ser visto também como sintoma de uma complexa engrenagem envolvendo laboratórios, médicos e pacientes, o que acaba levando ao excesso de medicalização da vida.

O psiquiatra norte-americano Allen Frances, autor do livro Voltando ao Normal, afirma que milhões de pessoas saudáveis (incluindo crianças) estão tomando remédios sem necessidade. Ao contrário do que muitos pensam, a culpa, segundo ele, não é do nosso atual ritmo alucinante de vida, mas da “inflação diagnóstica” induzida pelos fabricantes de pílulas.

Não me coloco de fora dos “hipocondríacos” dos tempos atuais. Também adoro o alívio (quase imediato) que as pílulas podem proporcionar. O que acontece, no entanto, é que somos suscetíveis a acreditar que os remédios são mais eficazes do que realmente são. Claro que eles são maravilhas que usamos para combater a dor e a morte. Mas os usamos também para combater outras coisas, males menores e indefinidos, um tanto vagos, assim como esperamos deles proteção e vitalidade.

A alma grita por intermédio do corpo. Exige repouso, reivindica satisfação, pede por motivação. E como acreditamos em soluções imediatistas, engolimos a solução mágica em forma de remédio. O alívio para a dor de viver, entretanto, não está apenas no que se põe para dentro, mas naquilo que se põe pra fora. Atendendo a pacientes na emergência de um hospital, ainda em tempos de faculdade, pela primeira vez pude constatar como, para além da medicalização, oferecer uma boa escuta é essencial no alívio das dores e na atribuição de um sentido para viver. Muitos dos que estavam ali precisavam além dos cuidados com o corpo, de um local de escuta e acolhimento que possibilitasse compreender um pouco mais sobre si mesmo. Nesses momentos de narrativa, em que o paciente fala um pouco de sua história, a vida se eleva para além do corpo. É por isso que quando narradas pelos grandes mestres da palavra, as loucuras podem tornar-se pontos de vista, os amores se tornam romances e as dores podem se converter em aventuras.

Temos nos ocupado obsessivamente com o corpo, seja com medidas curativas ou preventivas, e acreditamos que apenas com isso atingiremos também a paz de espírito. No entanto, é a capacidade de compreender o que nos deprime, o que nos motiva, o que nos incomoda e o que nos estressa que nos possibilita transcender a dor de viver. Esta capacidade está ligada ao quanto conseguimos entender da trama da nossa vida pessoal, da história da nossa família e das formas de ruminações do nosso próprio pensamento.

Remédios ajudam, mas por baixo da pele, mais do que músculos e órgãos, repousa impressa a narrativa da nossa história pessoal. Em nossas veias, além do sangue, correm palavras que precisam ser ditas.